Diante de câmeras transmitidas ao vivo para 141 espectadores na internet, um adolescente de 17 anos atira coquetéis molotov em um homem que dormia em uma rua no Rio de Janeiro. A vítima sobrevive, mas está em estado grave, com queimaduras em 70% do corpo.
De acordo com a Polícia Civil do Rio de Janeiro, o crime bárbaro foi instigado e ordenado por meio do Discord, plataforma digital comumente usada por crianças e adolescentes para bate-papo. Como parte de um desafio promovido por usuários da plataforma, o adolescente recebeu uma recompensa de aproximadamente US$ 350.
As investigações revelaram que o ataque não foi um caso isolado, evidenciando os perigos que crianças e adolescentes enfrentam online — seja como alvos de violência ou como indivíduos manipulados para executá-la.
Os administradores do servidor que transmitiu o ataque são membros de uma organização criminosa especializada em crimes cibernéticos. A investigação abrange uma série de crimes, incluindo crimes de ódio, tentativa de homicídio, incitação ao suicídio, abuso de animais, promoção do nazismo e posse e distribuição de pornografia infantil.
“A atuação do grupo é tão proeminente no mundo virtual que chamou a atenção de dois órgãos independentes nos Estados Unidos, que emitiram relatórios sobre o caso e contribuíram para a investigação da Polícia Civil”, afirmou a polícia.
Responsabilidade compartilhada
A responsabilidade por garantir ambientes digitais seguros para crianças e adolescentes é compartilhada entre famílias e escolas, e deve envolver também a regulamentação de grandes empresas de tecnologia pelo governo, argumenta Rodrigo Nejm, coordenador digital do Instituto Alana.
O especialista em educação digital defende a responsabilização das plataformas online quando elas falham em proteger os adolescentes em seus ambientes.
Nejm acredita que as grandes empresas de tecnologia têm a responsabilidade de implementar medidas de segurança. “[O que é necessário são] mecanismos de proteção que responsabilizem as empresas quando não protegem os adolescentes, sistemas de recomendação de conteúdo mais criteriosos para impedir a promoção de material violento ou nocivo e regulamentações para lidar com o uso de recursos de design viciantes — conhecidos como funções de design manipulativas — que comprovadamente prejudicam a saúde dos usuários.”
Verificação de idade
Outra medida recomendada é a verificação de idade por meio de métodos que vão além da simples autodeclaração, que podem ser facilmente burlados por usuários que informem uma data de nascimento falsa. Em dezembro de 2024, o Senado Federal aprovou um projeto de lei (PL nº 2628/2022) que exige a verificação de idade para acesso a plataformas de mídia social e sites pornográficos.
De acordo com Rodrigo Nejm, a verificação da idade dos usuários da internet é uma salvaguarda importante para evitar que crianças e adolescentes acessem as mídias sociais e sejam expostos a conteúdos destinados a públicos mais velhos. No entanto, ele enfatiza que é igualmente importante proteger aqueles que já são ativos nesses espaços digitais.
“Existem vários métodos possíveis — mais rigorosos para plataformas de alto risco e abordagens mais simples para aquelas consideradas menos nocivas. O que precisamos urgentemente no Brasil é de uma regulamentação que exija a implementação dessas medidas”, afirma Nejm.
Cyberbullying
O debate sobre a promoção da violência em ambientes digitais — em especial por meio do aliciamento de crianças e adolescentes para a prática de crimes — ganhou ainda mais força após o sucesso internacional da série Adolescência, da Netflix. Ao longo de quatro episódios, a série explora o assassinato de uma menina, tendo como principal suspeito um colega de escola. Com adolescentes imersos em suas próprias linguagens digitais — muitas vezes em plataformas desconhecidas tanto dos pais quanto das autoridades —, a série destaca a vulnerabilidade de menores e o despreparo dos adultos para enfrentar as complexas ameaças do ambiente digital.
Entre as diversas formas de violência enfrentadas por crianças e adolescentes está o cyberbullying, que também faz parte da narrativa da série britânica. Juliana Gebrin, psicóloga e neuropsicóloga do Instituto de Psicologia Aplicada e Formação de Portugal (IPAF), acredita que a série desempenha um papel importante na conscientização sobre o bullying nas escolas, tanto em ambientes físicos quanto digitais. Ela afirmou à Agência Brasil que a forma mais eficaz de abordar o problema é por meio da prevenção, enfatizando a importância de pais e escolas reconhecerem os sinais de que o bullying está ocorrendo. Esses sinais podem aparecer tanto nas vítimas quanto nos agressores. Em muitos casos, observa ela, quem pratica o bullying pode já ter sido vítima antes.















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